Como se locomover na UBS - usuário

Instruções para pelo menos um atendimento efetivo em uma Unidade Básica de Saúde - como entrar e sair consultado de uma, ou pelo menos encontrar o profissional que deseja:
1 - Cruzando o portão você pode ver uma janela de vidro; é lá a sua primeira parada e onde provavelmente se irritará inicialmente... Geralmente dentro daquela dimensão há umas duas ou três pessoas andando de um lado pra outro como se realizando algum tipo de coreografia ensaiada. Na verdade elas estão tentando encontrar os prontuários das mais de 10 pessoas estressadas espremidas contra o vidro que pretendem pegar uma ficha para o médico (ou o que quer que seja). Não raro tem alguém que pensa que é uma daquelas bolinhas de fliperama dentro do jogo e aparece na UBS só pra tirar onda... uns chegam drogados, outros só pra das voltinhas e tirar o juízo de quem está tentando trabalhar (desculpa, acho difícil ter REALMENTE alguém com esse propósito de estressar o pessoal, mas gente, REALMENTE tem dias que parece que a intenção é essa).
2 - Descoberta a sua necessidade prioritária naquele dia, consiga a ficha. Por favor, sorria para o pessoal do SAME; eles são estressados de todos os dias receberem elogios ao contrário. Às vezes não são antipáticos por ruindade, é por força do destino, mesmo, correndo e tentando atender a tantas pessoas sem informação ou educação que pensam que serviço público não merece nada além de abuso. Pegue a ficha e siga. A partir de agora sua jornada dentro da UBS é caminho de Deus.
3 – Dependendo da planta aérea da UBS, pode ser que haja um lugar chamado de recepção onde não há ninguém para lhe dar informações. Se não houver recepção junto com sala de espera, o corredor é corredor de espera. Preste atenção: só porque há portas fechadas, porque se trata de serviço público de saúde, porque não há ninguém para dar informações e pouquíssimas caras com aspecto de acessíveis à prestação de favores, isso não quer dizer que você, com seu prontuário amassado, rabiscado e rasgado nas pontas, deva entrar de porta em porta procurando, geralmente, pelo enfermeiro ou enfermeira (veja bem, você se encontra no lugar em que somente o enfermeiro tem respostas para os problemas. Na UBS médicos desempenham mormente o papel de estrelas hollywoodianas que exigem que o serviço de debruce sobre seus pitis de trabalhadores que atendem no máximo a dez fichas e não dão respaldo às atividades da Estratégia de Saúde da Família. Então, na UBS você deve encontrar o enfermeiro ou enfermeira). Não havendo informações, espere. As portas são mágicas. Uma hora ou outra você verá pessoas com fichas destinadas à mesma resolução que seus problemas ou alguém gritará (geralmente o enfermeiro) pelo próximo. Você saberá sua hora (da sua morte, não, de ser atendido).
4 – O quarto passo é, na verdade o mais simples; não requer tecnicidade nem preparação anterior, apenas olhos afiados: como reconhecer o(a) enfermeiro(a) do serviço. Há diferenças dentro da própria classe de enfermagem: há os técnicos e/ou auxiliares de enfermagem que ficam lá fora preparando (leia-se: aferindo a pressão arterial e massa corporal) e resolvendo pepinos menores passíveis de serem resolvidos por quaisquer membros das equipes de ESF, e os enfermeiros. Diferenças visuais? Fácil: os técnicos e/ou auxiliares são mais penteados e de olhar mais calmo e geralmente conversam sobre a novela, comida ou diversão da noite anterior com as pessoas nos corredores – ou até têm expressão mais arrogante e respondem pela alcunha de “enfermeiros”; os enfermeiros graduados têm o cabelo mal-amarrado (se grande), olheiras, jaleco meio amassado em uma das golas e estão SEMPRE conversando com alguém, carregando algum material e/ou perguntando pelo técnico/auxiliar da sua equipe “que deveria estar preparando o pessoal pra consulta e já sumiu, não acredito!” – ah, e se podem, não atendem por qualquer nome, apenas tentam se esquivar de atender pessoas em pleno corredor, porque, lógico, tem SEMPRE 3 ou 4 indivíduos que “demonstram” seus problemas em plena sala de espera se conseguem ao menos triscar na barra da roupa do profissional.
5 – Reconheceu o enfermeiro da sua área? Ótimo. Conheça também o seu Agente Comunitário de Saúde. Depois do seu nome, o nome do seu ACS é o que você vai mais falar dentro da UBS. É o nome dele que deve estar ao lado do seu nome no seu prontuário, para que o serviço tenha o controle da área de abrangência e se os ACSs estão fazendo um bom trabalho de cobertura das áreas.
6 – Mesmo que as salas não tenham indicativos da atividade que está sendo realizada naquele dia, preste atenção: tem SEMPRE algo sendo feito dentro de cada sala – e sim, os corredores parecem assombrados; sempre entra ou sai alguém das salas. Como dia o ditado, “quem tem boca vai a Roma”; então pergunte às pessoas que vêm e vão nos corredores. Elas têm a obrigação (já que estão andando sem rumo) de responder alguma coisa, por menor que seja. Mas, veja bem: se a porta está fechada, ou se o funcionário está realizando alguma atividade, peça licença – não chegue achando que ele tem que adivinhar o seu problema e lhe entregar a solução pronta. Serviço público é mais lento porque é MUITO mais trabalhoso, menos informatizado e tem uma demanda MUITO, mas MUITO maior.
7 – Seja atendido e não chegue solicitando os exames que devem ser solicitados para você. Humildade – sua e do profissional, para que ambos contribuam para uma boa produtividade do serviço, é necessária. Tenha em mãos seu prontuário, na ponta da língua o seu ACS, paciência (porque o funcionário lá do lado dele está fazendo das tripas coração para também ter – juro!).
8 – De vez em quando aparecem figurinhas engraçadas na UBS: são os estagiários. Esse pessoalzinho chega com cara de gente novinha, roupinhas engomadas e sorriso no rosto – porque estão aprendendo e tentando fazer direito. No fim do dia é olheira, cabelo assanhado, testa franzida de estresse e passos apressados. Mas se precisar de alguma coisa, fale com eles; são prestativos, MESMO QUE NÃO QUEIRAM.
9 – AO FINAL DE QUALQUER PROCESSO COMUNICATIVO, DIGA OBRIGADO. Resumindo: saiba para onde deve ir; não interrompa; peça licença, fale com cordialidade, tenha hábitos de higiene. Higiene também é questão de educação e não de poder aquisitivo, se quer saber a verdade. E tenho dito.

Este é um texto recheado de sarcasmo para melhor retratar não só a situação do usuário do sistema público de saúde em uma UBS que não tem o mínimo de informações disponíveis, mas também o mau comportamento do usuário para com o serviço que o atende. Educação é via de mão dupla. Um mau serviço é reflexo dos maus usuários. Duvida? Venha comigo para o estágio!

Dúvidas, críticas, sugestões? Comente, e-mail-me, msn-me.