Despetalar
Tal qual as estações da música de Cássia Eller, todos os
motivos para que tudo seja sempre do mesmo jeito existem, mas o que mais de
certo existe na vida é a impermanência. Por isso o tempo muda. E o clima. O
tempo, a dimensão fora da palpabilidade que não conseguimos controlar. Quiçá
não estava controlando o universo quando juntava as mãos em oração e pedia
tanto, só depois que entendeu que tudo se inicia pela gratidão – depois a gente
constrói. E vira o que é, desde a ideia.
Gratidão por ter (sobre)vivido. Não por ser hoje mais forte,
ou por achar que tudo sendo diferente hoje garantiria voltar no tempo e mudar
as peças de lugar. Ou mudar a si mesma como se ela própria fosse uma peça nesse
jogo de palpabilidades. Logo ela que tão pouco se propõe palpável, merecedora
das mãos que a recebam. Até chegar à concessão de si mesma, entendendo seus
fluxos como as luas, um dia ela se sente flor a ser tocada e apreciada; noutro
dia se sente calor que provoca tudo ao seu redor. Passam ventos e se sente
folha que se destaca e se deixa levar pelo vento, planar, até que as últimas folhas
caiam e se saiba que o frio dentro de si vai provocar e congelar tantas
certezas que teve a vida inteira. Que hoje nem o são mais. Porque mudou o ponto
de vista, porque mudou o ponto de lugar, porque mudou a si mesma de lugar, ou a
vista hoje se encontra diferente como a visão das telas de Monet que aprecia.
Mudando de tons.
Aí o cinza do frio em si vai cambiando, transicionando num
degradê na apreciação da beleza de si até chegar aos tons de azul chegando aos
lilases de crepúsculos. As cores são os humores dentro de si. Grossa para si
mesma, na constância das cobranças, do eterno retorno a si mesma, como naquela
filosofia, a saber que de noite dorme criando e alimentando os desejos,
amanhece fazendo e admitindo planos. Alimenta-se de sol, recompõe-se na
distância dos outros, pelo medo de tudo aquilo de novo, as dores, as perdas, as
distâncias que ela queria proximidades. Por isto se prende, pune-se, cobra-se,
apaga-se.
Até se ver flor de novo, cede espaço às incertezas, a se
saber hoje diferente do ontem e do anteontem e do ano passado... e não diferente
porque assim o fez, mas porque assim o permitiu quando se deixou no lugar,
permitiu-se as escolhas – mais confortáveis ou mais corretas? Mesmo as que nem
pareciam escolhas, mas destinos previstos, ou provisionados, porque era assim –
assim que tinha que ser. Para se sentir segura a rosa tem os espinhos. Não
existe delicadeza sem parecer ofensiva nas sutilezas.
Como se fosse filme, parece assistir a tudo mudando em derredor.
É impressão. Porque ela é parte daquilo que a muda e a faz parecer, aos olhos
alheios, impassível, inabalável, impalpável, intocável, mudando as brumas em
seu entorno, criando a aura de fascínio sobre si. Logo ela, que queria se
sentir mais flor-rosa.
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