Melancholia, bile negra.

Aqueles dias em que a sensação de segurança e vida estão no abraço escuro da melancolia.
Faça seus deveres.
Cumpra com horários.
Atenda a uma agenda.
Inove.
Sorria.
Grave.
Escreva.
Mas me coloquei tão pouco nas palavras que sempre foram o meu corpo que vou me esquecendo de mim.
As pequenas coisas que sempre me preenchiam. Escrever no fluxo, ter meu espaço e momento.
Cumprir com deveres nunca foi meu problema. É como um botão que liga e eu vou lá, ser o meu melhor e apresentar o que descobri com toda empolgação do mundo pra ver se outras pessoas se sentem impelidas a sair assim, mostrando o que aprenderam ou descobriram com fascínio.
Essa paixão me tem faltado. Tem dias que preciso me escurecer um pouco. Aquilo de encontrar suas sombras para se recompor. 
Mais de um ano e se recompor se tornou um exercício diário de derrotas, frustrações e medo em escala crescente.
Eu sonho à noite toda noite. Sonhos estranhos. Já teve até um número especial da revista Cult sobre as incursões oníricas.
Tanto nos falta, tanto nos esgota, temos pouco excedente. Mas o que a gente oferta ao outro é tudo o que nosso coração pode pensar em se desprender.
E eu? O que sempre tive a oferecer, são palavras.
E até elas me faltam. Correm-me pouco no corpo porque já ultrapassei aquele desejo de ser. Só quero caber.
E o abraço no escuro. Meu chão, meu abrigo.
Estou cansada. Talvez seja a frase que a maioria das pessoas diga e ouça atualmente. A exaustão das telas é real. Mas pra gente como eu que se alimenta do que alimenta a mente, está exaurida porque o que nos é ofertado é muito superior à nossa humanidade de consumir.
Eu quero consumir muito. Visões, leituras de pessoas, de entrelinhas, música, som, arte, luz que é som, cheiro que é toque na pele. Alimentar a alma.
Tantas perdas e dores que acabamos por sentir como nossas - porque não esgotamos o choro das perdas, como a nossa particular de fevereiro. A cada notícia eu sinto como se o estivesse perdendo de novo. Todos dias.
O que senti foi impotência, ele que tanto confiava em mim e eu, que o estava esperando retornar daquela UTI. Nunca precisei explicar pra ele como era importante tomar a vacina. Ele perguntava quando iria tomar. E eu dizia q seria o primeiro a tomar qd chegasse em casa. 
Ele chegou em casa. Eu sei no meu coração que ele sabe. De todos os "eu te amo" que eu dizia, eu só quero que ele me espere. Pra eu saber como foi esse depois. 
Eu sempre tentando chegar a tempo. Pras chegadas, pras partidas. Mas sempre vou ficando.
Sempre vendo quem perde, perco de novo um pouco dele por me sentir tão incapaz. Tão incapaz.
Por isto todos os dias cumprir agendas.
Faça seus deveres.
Cumpra com horários.
Inove.
Sorria.
Grave.
Escreva.

Eu não aguento mais.

Comentários

Marco disse…
Desabafo. Palavras que só você sabe o significado. Não há comentários e nem são precisos. Apenas a leitura de alguém que expõe suas angústias como que busca alguma sanidade na insanidade. Os sonhos são mecanismos de defesa, onde o inconsciente deforma nossos conteúdos mais inacessíveis em elementos oníricos, de modo a que possamos lidar com eles, de alguma forma, mesmo que apenas em sonhos.

Postagens mais visitadas