E se o tempo passasse e mudasse algo?

Eu deixei passar. Abri a aba do blog algumas vezes, fiquei com pena, mas respeitei o espaço dele como um ser vivente e não o apaguei. Reencontrei a necessidade-possibilidade de retomar a escrita terapêutica sentada no meio-fio da calçada da minha casa num dia que eu voltava da caminhada da tarde. Pensei "por que não trazê-la de volta?". Chamei pra entrar de novo, com muito receio. Pelas tarefas pendentes, pela fase de vida que é tão diferente de todos os posts anteriores que parece que falamos de uma outra temporada nessa grande série chamada Minha Vida. E a de quem não mudou drasticamente?

Pensar em mim. Tem sido aprendizado, junto com toda aquela parada de autoconhecimento, busca, leituras, aceitação de mim e das possibilidades de retorno a um silêncio da alma, anterior ao ser.

Então deixei o tempo passar. Casei, tive filho, ressignifiquei o amor na minha vida diversas vezes - fora do campo quantitativo para a grande pulsação da qualidade, até saber que ele próprio - o amor, é de constantes mudanças e aprendizado. Temos hoje nossa casa, aqueles grandes sonhos de vida realizados. 

A caminhada acadêmica tem rendido esses momentos de desconhecimento de si, de questionamentos sobre "e se esse é o meu caminho, por que não também outro?". E doutorado em Ciências Fisiológicas agora. Tanto aprendizado e tanto prazer nisto.

E veio a pandemia. Um muro entre o que éramos e o que planejávamos ser. Tudo é passado. Se o novo ano de 2020 prometia horizontes melhores que 2019, um vírus de comportamento ora ainda imprevisível nos trouxe uma realidade inelutável: encontrar afetos na solidão, no silêncio, na companhia uns dos outros dentro de casa. Cuidar de outrem signfica agora obrigarmo-nos a estabelecer distâncias físicas e provar que as conexões precisam transcender o corpo. Se parece profundo nas palavras, na prática é quase intransponível.

E quantas vezes me peguei pensando em desistir de tudo, num sentimento de vazio, de impotência e incompreensão! Aí tem filho, marido, família, que estão ali e significam segurança. E que vai passar. Nada bom ou ruim dura eternamente e Eclesiastes deveria ser a leitura da vida de todo mundo. O tempo é Mãe de tudo. Dos sentimentos contraditórios, das respostas tortas, mas que seguram-nos das decisões erradas. E eu olho e eles estão dormindo. O sono dos justos e inocentes, porque eles os são.

A gente se perde da vida que estava planejando ter e se fia no presente, se prendendo a toda espiritualidade e centramento de razão esperando o amanhã chegar. E todos os dias ele tem chegado e tantos amanhãs já viraram ontem. Tem sido 3 meses de mais aprendizado, azia, insônias e buscas que dos últimos 6 anos - em que este chão virtual esteve inabitado. Talvez sejamos mais fortes, mas estamos errados em ser resignados. Tanta resiliência e medo um dia deixarão o sapiens escondido dentro de cavernas de novo.

E penso - e quando pudermos sair de novo, quantos pensamentos de inseguranças e borboletas na barriga serão constantes? Eu tenho medo de pensar no dia de sair. Presa à caverna, o Mito de Platão. E a caverna é tudo aquilo que pode me dar a sensação (talvez errônea) de que não poderia existir outro caminho. Assim como ao mundo ocidental o capitalismo e materialismo não parecem ter alternativas - mas pode haver, desde que entendamos que esta é a nossa caverna. Ter, comprar, trabalhar pra ter o material mínimo para adquirir mais bens ou meramente pagar contas que alimentam um ciclo vicioso de manter um padrão ou alcançar mais bens e responder à imagem esperada pelas redes sociais dos milhões de seguidores contando acessos - ou precisando tirar capital mal se sabe de onde e às custas de que dignidade para simplesmente ter onde dormir ou colocar na barriga.

E senti falta de fazer algo que me desse algum prazer, ou pelo menos movimentar os dedos que estavam parados no teclado da minha consciência. 

Alguns anos e ainda tenho pouca vontade de me olhar no espelho, de ter certezas firmes. Prefiro perguntar a ter que olhar. Mas tenho aprendido mais a precisar menos da aprovação alheia, sabendo que eu me sou e me pertenço. Às minhas metades me uno, identificamo-nos e nos estimulamos. Controlar é algo que hoje parece fora do nosso roteiro diário - e que bom. 

Resolvi beber do tempo de parada e exercitar esse fluxo que teima em sair das formas menos construtivas possíveis. Deixar de ser dor e reencontrar o encantamento. Se estou pronta, não sei. Mas parar não é opção. 

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