Como se a alguém interessasse

Hoje foi um dia de algumas conversas de pé de ouvido e de fundo de coração. Em dias assim acho que aprendemos muito, sobretudo se continuamos pensando tantas possibilidades, tantos “se” depois das conversas. Eu sempre penso. Eu overpenso.
Sabe, sou dessas pessoas que sabem o quão pouco sabem da vida e dos seus segredos. Sei menos ainda me desprender do que tenho conquistado, porque sempre tive medo de me arriscar. Tenho muito orgulho do pouco que construí. Sei que é muito pouco. Sei também que é irrisório diante do tanto que gostaria que significasse para outras pessoas, porque gostaria mesmo de fazer alguma diferença diante de tanta ambição, competitividade, individualismo, interesses conflituosos que vemos nesse mundão de meu Deus.
Passei a entender que quando os desejos individuais se sobrepõem ao que é bom para outrem, a tentação de correr atrás da possibilidade do crescimento individual é, como posso dizer... grande. Aprendi que há uma grande probabilidade de, à medida em que evoluímos um pouco rumo aos objetivos de vida (ou outras vitórias inesperadas e gratas), acharmos que conquistamos um status nunca antes atingido por qualquer outra pessoa na face da terra e podemos pensar que viramos estrelas. Corremos o risco de nos supervalorizar – diminuindo os outros. Ou achamos com isso que as outras pessoas tem a função ou a obrigação subentendida de nos servir. Irônico; sempre achei que quanto mais aprendemos, mais precisamos ajudar.
Acho que o segredo da humildade é procurar saber sempre mais, mas saber que o conhecimento não nos eleva com relação aos nossos semelhantes. Nem somos tanto que precisamos sobrepujar os demais – nem somos tão pouco que devamos achar que todos nos pisam. Preciso aprender muito mais.
Entenda, se eu estou em condição de ajudar – é-me um grande prazer ajudar. Se não faz parte das minhas condições de contribuir e me sentir um ser humano melhor, é como se me aparecesse um bloqueio: não me interessa. Nunca passei pela experiência de desgostar de alguém apenas por aparências.
Apenas aparências não me interessam. Gosto do que faz sentir bem, o que faz sentir melhor, o que faz sentir gratidão, reciprocidade. Gosto de cultivar bons sentimentos com relação às pessoas; e quando é difícil fazer o semear florescer, simplesmente deixo que o tempo se encarregue de consolidar o ciclo do carbono e da água naquele solo. Deixo estar.
Sabe aquela linha de “tirar satisfação”? Não sigo. Primeiro porque se no cotidiano, no trabalho, nas interações, nas simples conversas, não se compreende ou não se constrói uma relação harmônica, não é na lavagem de roupa suja que as diferenças se resolvem. Normalmente o tempo é o maior ajudante. O ser humano não se possui, não se controla, não se manipula. O ser humano se permite compartilhar. Apenas isso. Não se controla o que eu penso, por exemplo.
Não entendo declarações indiretas ou piadas despretensiosas. Ou vivo uma situação ou não a vivo. E quando a vivencio tenho por direito a propriedade de falar sobre, de reclamar, de elogiar, de aconselhar ou de deixar estar. Quando me decepciono, deixo estar. Porque o tempo ou cura, ou apaga, ou deixa passar. Gosto de deixar maus momentos adormecerem. Gosto de anestesiar o desconforto de parecer o desconforto de alguém ou de alguma conjuntura de vez em quando. E aí o tempo é meu e de mais ninguém. A ninguém interessa. Ou ninguém me interessa quando reais problemas ou reais situações existem.
Sabe, às vezes quando saímos de nosso microssistema, vemos grandes problemas de sistemas maiores, ou de esferas diferentes da nossa vida, aqueles problemas do microssistema inicial parecem tão pequenos que chegam a parecer simplesmente, dramas. Por isso tento evitar fazer com que os problemas do meu microssistema se agigantem. Primeiro porque não interessam às outras pessoas – e mais uma vez retornamos ao que falei anteriormente: o meu tempo a ninguém interessa.
Complemento: não são as aparências, as posições, o status que me interessam. É ser gente. Só isso. Nessa conversa hoje com uma pessoa que abriu o coração e me fez pensar muito, lembrei o que venho pensando tanto há vários dias no meu processo de overpensamento.
Você será sempre uma pessoa diferente de todas as outras pessoas no mundo. Contudo, para cada pessoa que você conhece, você tem um papel diferente. E você mesmo(a) se sentirá diferente com cada pessoa. Para algumas pessoas, você será apoio, será um porto seguro. Para outras, você será indefeso(a) e elas serão o seu maior conforto. Você tentará a todo custo, aproximar-se de outras pessoas, mas não se sentirá confortável. Com outras, não será necessário qualquer esforço; a sintonia flui. Você precisará de algumas pessoas como o ar que você respira. Outras passarão pela sua vida e sairão naturalmente, como entraram. Algumas pessoas serão um borrão na sua memória com o tempo – não porque você queira, mas porque a memória não é a mesma para todas as pessoas. Assim como você mesmo(a) será um borrão na memória de outrem. Mas você precisa criar vínculos. Você pode ser o vínculo de alguém com a vida. E você pode e deve precisar de alguém que represente um vínculo com a vida para você.

Os seus erros você pode consertar, nem que seja com boas realizações com relação a outras situações. Por que não? Eu tento consertar os meus de todos os dias ou antigos todas as horas a todo o momento. Como se simplesmente viver fosse um erro em determinado momento – em um ciclo ad aeternum. E quando algumas situações parecem indissolúveis, deixar estar ajuda. Se os erros alheios antigos ou presentes entravam algo que eu sou, não é ao outro que eu vou tentar mudar. Talvez seja a distância entre esse contexto e eu que deva estar pequena. Não se muda ninguém – nem força divina alguma jamais me deu o poder de achar que devo mudar alguém. O que se muda é como eu vejo as pessoas ou como os contextos são tangíveis a mim. Tenho tendência a me afastar, por instinto de defesa, do que me incomoda ou do que me machuca. É como o fogo. Não sei você, mas eu me afasto. Sobretudo quando não sou eu quem ateia o fogo. A ninguém o meu tempo interessa.

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