Do continuum que são os dois, Ou ela precisava ser ouvida Parte II

Do caminho do café que freqüentávamos perto de nossos empregos resolvi pegar um rumo que me desse resposta para tantas perguntas na minha cabeça. O silêncio tem o peso do mundo quando nele jazem todas as palavras que você não tem forças para exprimir – porque ferozes.
Poucas vezes na vida experimentei a sensação fantástica de não precisar dizer qualquer coisa a 20cm de distância de uma pessoa; ele me olhava e entendia – assim, sem julgar, sem criticar, nem cobrar, sem beijar para que eu parasse de falar/pensar. Simples assim, confortável.
[No one knows except the both of us. This won’t work now the way it once did. I spent so much time in survival mode]
[Who doesn’t long for someone to hold?]
O conforto sufoca quando se aprende a viver nas adversidades. Ele é o meu conjunto: carne e encanto. Em um momento de nossa rotina eu tive um devaneio que me trouxe num lampejo de obviedade a certeza de que aquilo tudo era absoluto, era certo, era concreto, era seguro. Assustei-me. Ou não é direito de todo ser humano ser refém de seus sentimentos? Ou não é prerrogativa da mulher desconfiar de qualquer apresentação de certeza que se apresente em frente a ela?
[Anyone who can touch you can hurt you or heal you. Anyone who can reach you can Love you or Leave you]
Da abstinência de carinho em que eu vivia antes de conhecê-lo, até ser englobada por braços firmes, passei pelo doloroso processo do desprendimento de todos os meus costumes, manias e velhices da solteirice que parece infinita. Abri mão do meu sagrado silêncio no balcão do bar tomando minha dose semanal refletindo sobre novos personagens, contrariedades familiares e nos corredores de meu edifício interior: meus segredos, minhas alegrias, meus defeitos tudo ali, guardado, para ninguém conhecer. Precisei me desfazer do meu mundo só meu e deixar que ele construísse o seu próprio, dentro de mim.
Precisei me ver mulher-amiga-irmã, cuidadora e cuidada, dona do meu lar. Precisei aceitar dividir a cama e não abrir mão, precisei lançar mão da coragem de novos pratos, novas roupas íntimas. Precisei aprender o traquejo da convivência. E me descobri ótima no exercício da rotina. Esse bem que tanto procurei durante vidas, histórias, crônicas, contos, procurei comigo mesma, com o trabalho, mas aprendi com ele, aprendi a amá-lo e a querê-la: a rotina.
Dizem que o início de relacionamento é sempre flores, “depois piora, amiga”. No nosso caso a rotina e o silêncio foram a garantia de que era exatamente o que procurávamos na vida e um no outro – não esperar mais sobre as imprevisibilidades do(a) companheiro(a). Era assim, eu o lia, ele me lia, não havia subterfúgios, passado obscuro. Foi esse o problema?
Entre o manjericão que coloquei sobre o molho da massa no jantar de ontem e a taça de vinho costumeira porque precisava concluir aquele ensaio, decidi que o tenho amado tanto que me perdi nesse continuum que temos sido os dois. Não lembrava mais a última vez em que fiz algo pensando apenas em mim, tive medo de não me amar mais do que o amava, medo de ele de repente decidir partir, sem mais, porque é assim que ele é: fugitivo das relações humanas, da necessidade de explicação. Encantei-me porque ele era exatamente assim, sem brincadeirinhas ou extensão do que precisava ser dito ou percebido.
[It’s not hard to fall when you float like a cannonball]
Desde o primeiro minuto em que nos vimos eu percebi o interesse dele. Como sempre, o silêncio se traduz pelos olhos e os dele me percorriam. E enquanto conversava com outras pessoas naquele bar, e eu estava concentrada na minha margarita pensando no fim da terapia, ele fazia questão de puxar assunto comigo a cada três minutos, só para que eu erguesse o olhar e me encontrasse com o dele.
Talvez se na juventude nossos caminhos nunca tivessem se cruzado. A maturidade nos trouxe a certeza de que não era apenas a beleza que procurávamos em um relacionamento. Eram os detalhes. O gosto dele, o cheiro dele no meu travesseiro, a teimosia em usar o meu shampoo, de tirar o pimentão do meu prato – que eu odeio e ele adora, de tomar do meu copo de suco depois de dizer ao garçom que não queria suco, de apertar o meu nariz à noite antes de dormir.
As constantes reclamações para com o meu vinho de todo dia, aqueles jogos de futebol infindáveis, o café super-doce que ele adora, começavam a incomodar.
O silêncio eu digeria, mas a proximidade exacerbada me preocupou – foi isso. De repente me vi assustada com essa segurança, com a possibilidade do silêncio ad aeternum. Porque eu sei o que ele dizia com o olhar, mas o que eu guardava era negativo e eu sei que incomodaria.
Mas eu quero voltar, quero envolver todo aquele meu homem, meu marido. Quero fazer o jantar e dizer o que estava incomodando para que não me irrite mais – sabendo que nesse momento é melhor conversar que partir. Não era partir que eu precisava, era me enfiar mais nessa relação de interdependência incurável. Quantas outras mulheres não enfrentaram esse momento do medo de perder o que parece perfeito simplesmente por receio de que o outro resolva que “já deu o que tinha que dar” e simplesmente se desespera com a possibilidade da solidão depois de ter desconstruído todo o seu forte de guerra? Poucas, eu respondo para mim mesma. Viemos todas com o defeito de fábrica da carência da compleição – e é deveras doloroso nos ver dependente emocionalmente, entregues.
[Stay with me. My Love, I hope you’ll always be right here by my side if ever I need you. In your arms I feel so safe and so secure. Everyday is such a perfect day to spend along with you I will follow you will you follow me all the days and nights?]

Comentários

Caio disse…
Lindo texto! Li escutando Duffy, Recomendo!
Nubinha disse…
"...Viemos todas com o defeito de fábrica da carência da compleição – e é deveras doloroso nos ver dependente emocionalmente, entregues."

Lindooo!

voltou com tudo hein?!
Anna Soares disse…
olha, eu não vou mesmo escrever mais. Achei definitivo. E pessoal. Ela sou eu. E é isso que incomoda.
Luzia Cibele disse…
Maravilhoso, Amélia.
Amei.
hagleaobert disse…
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