Um experimento sobre se aproximar de tudo o que parece confuso demais ou Pandemia da pequenez.

A gente teve que ficar em casa. Não por escolha. Pelos outros. Menos corpo, mais mente. E neste afã de corresponder à demanda crescente e reprimida de produtividade na era do "results right now", sem verdades fixas,  mas quando toda e qualquer pessoa poderia exprimir sua opinião, mesmo que não fundamentada em nada minimamente plausível, mergulhamos. Nas redes. Online. Na palma da mão viramos androids. Aqueles que tem as respostas na ponta dos dedos, pacotes de dados e dados lançado sobre a sorte de bilhões de habitantes em um pálido ponto azul. Antes Sagan fosse ouvido ou lido mais vezes. Precisamos redobrar a atenção sobre a educação dos filhos - aquela educação que é terceirizada pela família: do básico, fundamental ao superior. As famílias precisam conviver. Entre pelo menos 24 horas por dia enquadrados nas telas touch-screen e carregadores nas tomadas, oscilamos entre os earbuds, caixas de som bluetooth, lives, videoconferências, e-mails, redes sociais, comida, exercício físico, saúde mental, limpeza, usar máscara, higienizar as mãos, usar água sanitária e lavar o sanitário todas as vezes que usamos o banheiro. Número 1, número 2, não importa. Fazemos isto porque o cuidado com a gente é cuidado com o outro. Na presença e na ausência. E quem diria que um vírus, que ninguém chega à conclusão que seja ao menos considerado um SER, chega a ponto de competir com a paupérrima espécie sapiens pelos holofotes. Que doença essa do humano ser o centro do universo! Por muito menos a Ciência sentou naquela cadeira do Tribunal do Santo Ofício, foi instada a se retratar, desdizer o dito e registrado mediante observação, experimentação, replicação - o digno Método... de centro o homem se doeu por ter que admitir que girávamos em torno do Sol que nem é tão estrela imensa assim (e poucos acreditam que faltam alguns poucos bilhões de anos pra ele morrer - calma, não estaremos mais aqui). É de ficar estupefato se deparar com tamanha pequenez! Mas o homem não se conforma e tem que competir com o vírus, pra ver quem ganha na corrida de "quem entrega mais pessoas para a miséria ou a morte". Reaprendemos a rezar. E de tanto reorganizar a agenda diária de casa e todas as tarefas e responder a tanta gente não esquecendo álcool e água sanitária, nossa pele está descamando. Será o sapiens réptil? Trocar de pele pode ser tanto a biológica quanto a ideológica. E quão frágil é a pele biológica. No final talvez só sobre a carcaça. Exaure o gasto energético de se resguardar, educar, estudar, produzir, informar, desconstruir, refutar notícias falsas criadas como quem reproduz pele. Quantas peles você tem? Todas as minhas personas estão cansadas. Talvez nem sobre mais. O cidadão de bem para provar que honra um mestre que morreu na cruz precisa afirmar o poder pela arma de fogo. Eu garanto que tenho força se puder provar que sou mais potencialmente mortal e forjo o respeito pelo medo. Antes o medo fosse só físico. Eu tenho medo das perdas. Não pela minha vida. Às vezes ela nem importa. Do que você tem medo? Me perturba ter que pesquisar todo conceito e manchete que aparece porque parece que o medo das pessoas é não ter onde se encaixar - como se só existissem dois polos. E nem é assim. Nas entrelinhas que está sempre a resposta. Você sabe responder? O segredo de tudo é sempre saber construir a pergunta certa. Ganha quem cancela o outro com um pergunta mais vexatória e desmoralizante. E todo o gado vai atrás. Você também tem a sensação de que perde a identidade de vez em quando? O home office só existe para quem não tem o mundo inteiro para fazer em casa. Sobra muito pouco de si mesmo. Mesmo que você deixe tudo de si em tudo o que faz. No final, quem se lembrará de você e da sensação do toque de sua pele? A cor de nada importa. Não é ela que se traduz na voz ou em como o outro se sente com sua proximidade. Mas todos nos isolamos porque o vírus levar aqueles cuja vida nos importam muito é importante o suficiente para garantir que eles ainda estão aqui. Nesta dimensão. Mesmo que distante do toque de pele. Mas a gente aprende a tocar mesmo assim. Quaisquer músicas ou ritmos. E o dia passa. São quase quatro meses. Mesmo assim a experiência de estar consigo mesmo é impagável. Para alguns, uma necessidade em meio ao caos de tanta coisa dentro mesmo do universo da casa - um desejo alguns minutos a sós. Solidão é dádiva. Para outros, um pesadelo não viver as festas, os sociais postáveis nas redes, as experiências íntimas ou coletivas, o corpo-a-corpo, porque estar sozinho e em silêncio pode ser ensurdecedor. Solidão e pesadelo. Eu gosto da solidão-silêncio, solitude. Preciso muito sempre, inclusive. Isolada mas não só, não poderia querer companhia melhor para essa experiência histórica complicadíssima de narrar para minhas gerações descendentes nas décadas posteriores - quiçá haverá outra década ou se ainda haverá nós nesse novo normal. A mim tudo parece estranho demais.

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